Márcia Alencar afirma que uma década é pouco para mudar o padrão social

A Secretaria da Mulher e dos Direitos Humanos Distrito Federal, Márcia Alencar fala sobre os avanços da Lei Maria da Penha, que completou 11 anos no último dia 7 de agosto

 Nos 11 anos que a Lei Maria da Penha está em vigor, na sua opinião, o que mudou?

Deu visibilidade ao tema, fortaleceu a capacidade da mulher em vulnerabilidade em confiar nas instituições do Estado que estruturaram serviços para combater a violência, com a criação de redes de prevenção, de enfrentamento e de proteção à mulher. O DF é uma referência neste sentido

No entanto, o problema é cultural, fruto da nossa cultura patriarcal e, portanto, uma década não é suficiente para mudar o padrão social.

Você teve a oportunidade de participar da elaboração da lei citada?

Contribuí na Comissão de Trabalho interna do MJ, na qualidade de membro da CONAPA, que elaborou parecer para validar a fundamentação em defesa do então Projeto de Lei.  Participei como delegada, representando o Poder Público, na 1a Conferencia da Mulher com a Lei recem-criada em 2007.  Apoiei, na qualidade de Coordenadora Nacional de Fomento às Penas e Medidas Alternativas, na consolidação do Projeto Temático sobre Violência Doméstica em Minas Gerais que veio a ser premiado no XX Congresso Mundial de Prevenção e Justiça Criminal da ONU, em 2010.

 Quais as falhas que nela  precisam ser sanadas?

De forma estrutural, se o problema é cultural, a educação é fundamental para romper o ciclo da violência contra a mulher.

De forma funcional, a Lei Maria da Penha prevê uma rede de prevenção que tem um furo muito grande na prática, porque os investimentos públicos são muito escassos e a rede pública não está integrada (Saúde, Educação, Segurança, Assistência e a pasta da Mulher); bem como a rede de serviços (rede de enfrentamento e proteção) não é de fácil acesso para as mulheres de periferia, sobretudo as negras, as trans e as do campo, principalmente.

E o papel da mulher na aplicaçao efetiva da lei pode avançar mais?

Conscientização e seriedade. Talvez mais difícil que romper o machismo seja unir as mulheres. “É fácil reconhecer as mulheres fortes. Elas são as que se constroem umas com as outras ao invés de se destruírem entre elas.”

 Existem várias redes de proteção feminina em todo país .No DF, com o que efetivamente as mulheres podem contar?

 No DF, temos 4 Centros Especializados de Atendimento a Mulher (CEAM), a Casa da Mulher Brasileira, a Casa Abrigo, além dos serviços de assistência às vulnerabilidades sociais e de saúde; bem como a estrutura dos serviços do sistema de Justiça Criminal, que envolve desde o PROVID da PMDF; a DEAM e 31 SAM’s na PCDF, os Juizados Especializados do Centro Judiciário da Mulher e os 9 Núcleos de Atendimento à Família da Vítima de Violência Doméstica (NAFAVD’s) no MPDFT, com foco na responsabilização do agressor.

Uma rede bastante descentralizada e consistente que responde as demandas de baixa, média e alta complexidade (Ex: Casa Abrigo, mulheres com risco eminente de morte). Brasília serve de referência para o Brasil. Embora o Brasil seja o 5° lugar do mundo que mais violenta a mulher. Internamente, Brasília ocupa a 24 ª posição dentre as 27 unidades da federação em relação a essas práticas de violência.

6- Qual o papel do Judiciário na Lei Maria da Penha ?

 Julgar todos os feitos e cooperar na integração dos serviços do Sistema de Justiça Criminal (PM/PC/PJ/MP) e  dos serviços do Poder Executivo.

 Como romper,efetivamente com um círculo de violência? é a mulher que tem que calar?

Dar consciência e autonomia a esta mulher, que uma vez fragilizada não consegue sair do ciclo da violência instalada, muitas vezes “naturalizada”  por ela própria num ciclo nocivo e vicioso. Dar consciência no sentido dela buscar na Família uma base de referência em que ela possa de fortalecer para lidar com a situação, uma vez que o maior desafio que este problema ocorre, majoritariamente, nas relações de proximidade, íntimas, afetivas, intrafamiliar. Dar autonomia é fazer com que ela, primeiramente, rompa o silêncio, confie nas instituições e denuncie, trate sua co-dependência emocional do agressor e se emancipe com autonomia financeira, necessário em muitos casos.

Nas periferias, cultura de paz, é uma utopia? ou existem meios efetivos de alcança-lá?

Existem meios sim; o trabalho é de longo prazo sem dúvida e os orçamentos devem refletir estas práticas! Para de fazer a Paz precisa de muito dinheiro e investimento público! Precisa priorizar as políticas públicas para os ambientes onde cruzam as vulnerabilidades sociais e criminais! Georeferencia o problema e atua de forma conjunta com a comunidade numa prática de redes colaborativas, cooperativas tendo a participação social como método de  gestão e o diálogo social como mecanismo permanente de controle social.

Como vê o desafio de estar à frente de uma pasta de Direito Humanos, tão desrespeitados e mal interpretados pela nossa sociedade?

Os Direito Humanos envolvem todo o artigo 5° da CF com seus 78 incisos e 2 parágrafos e o seu pressuposto fundamental é preservar a vida e a dignidade humana de qualquer pessoa, independentemente da sua condição social, de gênero, etnia ou vulnerabilidade!

O maior desafio hoje é precarização da pauta e dos serviços a ela relacionados seja aquele voltado à Pessoa Idoso, à Pessoa com Deficiência, à Mulher, à Criança, ao Adolescente, à Juventude, do Refugiado, do Imigrante, do Apátrida, da Pessoa em Situação de Rua, da Pessoa LGBTT, à Intolerância Religiosa, à Iguadade Racial, às Pessoas Presas e seus familiares com baixíssimos investimentos, nos últimos anos em função da crise fiscal do Estado brasileiro; e para agravar recentemente, diante da crise política que estamos vivendo, a conquista dos direitos sociais e humanos estão sob risco por estarmos num ambiente de extrema recessão e alta fragilidade institucional; esta conjuntura revela que, após quase 30 anos da nossa Constituição Cidadã, lamentavelmente, não consolidamos o Estado Democrático Brasileiro!

Sigamos firmes e fortes com coragem para mudar! “Não vamos desistir do Brasil!”

Zuleika Lopes