Pesquisadores da UnB desenvolvem método inovador para castração de cães e gatos

O contingente de cães e gatos que vivem nas ruas é um desafio para gestores públicos, que buscam amenizar o problema com ações de castração e campanhas contra o abandono. Um projeto desenvolvido no Instituto de Ciências Biológicas (IB) da Universidade de Brasília (UnB) pode contribuir para a solução do problema por meio da criação de procedimento de castração não cirúrgico, mais rápido e simples.

A iniciativa Alternativas nanotecnológicas para a castração não cirúrgica de animais machos é coordenada pela professora Carolina Madeira Lucci e já teve seus primeiros resultados publicados em dois periódicos internacionais: Nanotoxicology Pharmaceutics. Veterinária e tutora de quatro cachorros e dois gatos, todos resgatados das ruas, ela se preocupava com o aumento do número de animais abandonados e buscou aplicar seus conhecimentos em busca de uma solução.

“A castração cirúrgica dos animais (seja macho ou fêmea) é extremamente eficiente, mas não é rápida nem de fácil acesso”, explica a professora. “Exige infraestrutura e profissionais habilitados. Então pensei: será que a gente não pode simplificar, desenvolver um método que não seja cirúrgico e que funcione?”, lembra.

Foi assim que, em 2015, nasceu o projeto, que já contou com financiamentos da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A escolha de trabalhar com machos deve-se à facilidade de acesso às gônadas, ou seja, aos testículos. Além de estarem localizados fora do abdômen, possuem uma sensibilidade maior ao calor – temperaturas elevadas causam danos no processo de produção dos espermatozoides.

Estratégias que exploram a sensibilidade ao calor das células testiculares vêm sendo estudadas desde a década de 1970, em busca de um método contraceptivo. No caso das fêmeas, a mesma técnica não é aplicável, pois os ovários ficam dentro da cavidade abdominal e não apresentam a mesma sensibilidade térmica.

Outra razão que justifica a pesquisa com machos se baseia no próprio ciclo reprodutivo dos animais: “Cada fêmea vai ter um cio, emprenhar, ter vários filhotes e passar um tempo ali na gestação. O macho não, ele pode emprenhar uma fêmea hoje, outra amanhã, outra depois de amanhã… ele é capaz de gerar gestações em várias fêmeas em um curto espaço de tempo”, explica Carolina Lucci. Em média, um casal de gatos pode gerar mais de 49 mil descendentes ao longo de dez anos.

“Lógico, é importante castrar os dois [machos e fêmeas], principalmente se quisermos controlar o número de animais de rua. Mas se começarmos pelos machos já será um grande avanço”, completa a docente.

Os experimentos até o momento foram feitos em ratos, e os resultados foram positivos: os animais ficaram estéreis em definitivo com apenas uma sessão de tratamento, sem efeitos colaterais. A partir do mês de abril serão iniciados os testes com gatos.

“A nossa ideia é aplicar a técnica primeiro em gatos porque eles têm uma reprodução aceleradíssima, e depois em cachorros. Além disso, os gatos têm um tamanho mais fácil de trabalhar, enquanto os cachorros variam muito em relação ao porte, o que requer uma adaptação do método”, afirma a professora.

FUNCIONAMENTO – O procedimento é simples de realizar e não exige acompanhamento posterior. Consiste na injeção de nanopartículas de óxido de ferro no testículo do animal, que deve estar sedado. A partir daí, podem ser adotadas duas técnicas de esterilização: por meio da aplicação de um campo magnético (magnetohipertermia) ou de uma luz de LED (fotohipertermia).

No caso da magnetohipertermia, o campo magnético externo é aplicado na região dos testículos e as nanopartículas injetadas geram calor apenas no local da aplicação. Já na fotohipertermia, utiliza-se um LED infravermelho para que as nanopartículas transformem a luz em calor e promovam a esterilização. Nos dois procedimentos, a temperatura chega aos 45 graus, aproximadamente, e não causa queimaduras nos animais.

Os processos duram em torno de 20 minutos, período no qual o animal permanece sedado. “A vantagem é que, como eu não estou fazendo nada cirúrgico, não preciso acompanhar esse animal depois (não preciso tirar pontos nem aplicar antibiótico). A cirurgia expõe o animal a micro-organismos, e ele pode desenvolver uma infecção. Neste tratamento, isso não acontece”, esclarece Carolina Lucci.

A técnica da magnetohipertermia aplicada à castração de animais teve o caráter inovador reconhecido e foi patenteada em 2020. O servidor José Luiz Jivago atua como médico veterinário na UnB e foi o primeiro aluno a fazer parte do projeto. Ele destaca o rigor ético da pesquisa: “O método é viável e completamente humanitário. Foi aprovado pela Comissão de Ética e a gente consegue ver que não está colocando o animal em sofrimento desnecessário, e além disso, promove um controle do excesso populacional dos animais”.

O texto da patente publicada também frisa que não foram identificados efeitos colaterais nos animais: “Em nenhum dos grupos foram observados dor ou incômodo contínuos pós-tratamento. Todos os animais apresentaram ganho de peso esperado para a idade durante o resto do período, sem diferença significativa entre os grupos”, informa o documento.

Fonte: UnB Ciência